«Os <em>media</em> sustentam<br> a sociedade capitalista»
«No dia em que os media passassem a ser verdadeiramente pluralistas, era a própria sociedade capitalista que ficava em risco.» Quem o afirma é Fernando Correia, professor universitário de jornalismo e chefe de redacção da Vértice. Fernando Correia, que foi durante década e meia sub-chefe de redacção do Avante!, tem várias obras publicadas. Ontem foi apresentado em Lisboa o seu mais recente livro Jornalismo, grupos económicos e democracia, editado pela Caminho.
- Em diversos trabalhos que tens produzido, rejeitas a ideia dos media como um poder autónomo. Que poder têm os media, então?
- Quando defendo a ideia de que os media não são nem o primeiro nem o quarto poder, no sentido absoluto em que as pessoas lhe pretendem atribuir, não é no sentido de considerar que os media não têm o poder – como realmente têm – de influenciar as opiniões, os costumes ou os valores das pessoas. É no sentido de considerar que não têm um poder autónomo, que depende de si próprio, mas sim de serem uma fonte de poder que está cada vez mais ligada ao poder económico, nomeadamente aos grandes grupos financeiros, que é quem realmente ocupa o topo da hierarquia de poderes. Os media são um poder delegado deste grande poder económico, não obstante a autonomia relativa que possuem, derivada das suas próprias lógicas de funcionamento.
- Neste livro e nos anteriores, pões muito a tónica na questão da propriedade. Em que medida é que esta condiciona os conteúdos da mensagem veiculada?
- A questão da propriedade é importante na perspectiva em que é este poder proprietário que, através de diversos mecanismos e processos, determina e condiciona o modo de funcionamento dos media, ainda que não de uma forma mecanicista. Desde logo, na escolha das pessoas, daqueles que no interior das redacções são responsáveis editoriais. Existe uma elite jornalística, que é composta por directores, responsáveis editoriais e editores, e que exerce um papel muito importante de mediação entre o poder proprietário e os jornalistas. Há, em Portugal, cerca de 6 mil jornalistas com carteira profissional e eu estou a falar de uma elite (que, no entanto, não pode ser vista de uma forma homogénea) composta por algumas dezenas de pessoas. É aquilo a que podemos chamar uma elite de enquadramento do trabalho, na medida em que dá a credibilidade, a legitimidade e o saber jornalísticos a orientações que têm cada vez menos a ver com a informação do público e cada vez mais o lucro económico. Basta ouvir as declarações dos proprietários dos media para perceber que o que há ali é um discurso económico e não jornalístico.
- No concreto, como se faz esse condicionamento?
- Há diversos mecanismos… Penso que há uma ligação estrutural entre os media e a sociedade. E isto quer dizer que quando falamos da força do poder proprietário sobre os media e o seu conteúdo não estamos a dizer que todos os dias, todas as semanas ou todos os meses, os administradores telefonem para os responsáveis editoriais a dizer o que devem ou não publicar. Isso pode acontecer, mas a ligação entre os media e o poder proprietário, que tem a natureza que eu defini, faz-se através de uma ligação estrutural com a sociedade capitalista. Estabelece-se nas redacções aquilo a que eu costumo chamar um «consenso implícito», ou seja, as coisas não precisam de serem ditas para serem feitas. No concreto, essa ligação depende de vários factores. Por exemplo, das fontes e da publicidade.
- De que forma?
- Há, no quotidiano das redacções, um recurso a fontes poderosas, organizadas, com poder de transmitir informação. Isto cria um determinado tipo de informação e de enquadramentos jornalísticos que não são os que outras fontes poderiam criar. Estou a falar dos ministérios, das grandes empresas, dos grupos de pressão e de interesses, das instituições da chamada «sociedade civil» que estão mais perto do poder económico e do poder político, nomeadamente daquele que está mais ligado ao poder económico.
Outro factor estrutural é a publicidade. Hoje em dia, um grande media (ou um pequeno media que queira sobreviver) tem que ter uma grande ligação à publicidade, também ela ligada a grupos económicos. A dependência da publicidade torna imperativo que os media transmitam mensagens que não entrem em contradição com os interesses dos grandes anunciantes. Isto faz com que os conteúdos acabem por ser, dentro do tal «consenso implícito», determinados por estes factores. Nos últimos anos temos mesmo um significativo exemplo da importância que tem actualmente a publicidade, que é a imprensa gratuita, que se dá ao luxo de nem sequer ser paga para ter êxito.
- Ou seja, está tudo nas mãos do poder económico…
- E temos ainda a concentração ao nível das empresas gráficas e da distribuição. O facto de em Portugal haver apenas uma grande distribuidora, ou uma e meia, cria uma enorme dependência. Os grandes grupos têm assim nas suas mãos não só a maioria dos media mas também as várias fases da produção. Isto cria uma rede que faz com que um jornalismo autónomo, independente, de esquerda, não tenha condições de sobrevivência. Nós, aliás, tivemos um exemplo, em Portugal: o jornal o Diário, que acabou por falta de publicidade. Depois, numa outra fase da influência da concentração sobre os conteúdos, há os mecanismos concretos ao nível do trabalho de redacção que faz com que as coisas sejam de uma certa maneira.
- Como?
- Nomeadamente ao nível da agenda, acerca daquilo que é ou não é «notícia». Só para dar um exemplo, os chamados «jornais de referência» (esta é uma classificação com a qual não concordo, preferia falar de media dominantes e não dominantes), ultimamente passaram, por necessidades da concorrência, a diversificar os seus conteúdos, passando a incluir páginas de jet-set. E vê-se, por exemplo, o Público a citar a Caras. Simultaneamente, e para dar só um exemplo, há em Portugal uma realidade, as colectividades de cultura e recreio, que são cerca de 20 mil e que envolvem 300 mil activistas e centenas de milhares de utilizadores. Ora nos media de grande expansão não há o mínimo reflexo desta actividade, que é profundamente popular. Isto é que será a verdadeira «sociedade civil». E não faz parte da agenda.
Depois há outra forma de controlo, que eu acho que é importante e praticamente imperceptível para a maioria das pessoas, que é a própria organização das redacções. Isto é, as secções e as especialidades não incluem a cobertura de várias realidades sociais. Há economia, política, desporto…
- Mas a Economia é sempre apresentada na perspectiva das fusões, das compras e vendas de empresas…
- Exactamente. Falei das colectividades de cultura e recreio, mas temos também os sindicatos e as organizações de trabalhadores. São encaradas maioritariamente no ponto de vista das «notícias negativas»: quando há greves, protestos, cortes de estrada… Tudo o resto é ignorado. Ou seja, há diversos tipos de mecanismos, de natureza estrutural ou funcional, que fazem com que a natureza da propriedade influa naquilo que é depois o resultado em termos de informação que é produzida, das notícias e reportagens.
O problema está
na natureza da propriedade
- Tem-se falado muito da OPA da Sonae à PT. Em que medida a concentração que se tem verificado no sector dos media e comunicação social agrava as características que referiste?
- O ponto de partida para a análise dos media tem que ser a sua concepção como um fenómeno social. Caso contrário, se analisamos os media como uma realidade que está por cima da sociedade e que se pode analisar desintegrada desta, estamos a fazer uma análise inoperante ou interessadamente desvirtuada. Na sociedade capitalista actual, e reportando-nos para o caso português, o problema de haver muitos ou poucos grupos económicos é importante, pois é preferível que haja mais entidades a emitir informação do que menos. Mas quaisquer alterações não serão de fundo se não se mudar a natureza da propriedade. Porque haver três grupos ou seis, mas, num caso ou noutro, todos eles serem propriedade do grande capital não altera o fundo da questão. Acaba por ser uma luta de concorrência entre grandes grupos, excluindo outras formas de propriedade dos media, como as cooperativas, que hoje não existem.
- A TSF começou assim…
- Pois começou. E a primeira a surgir, a seguir ao 25 de Abril, foi O jornal, que antecedeu a Visão. Mas esse tipo de experiências nunca teve o apoio do poder, precisamente por ser uma forma de poder alternativa ao dos grandes grupos económicos. Isto faz com que o cerne do problema esteja na natureza da propriedade e não na existência de muitos ou poucos grupos, ainda que isto não seja indiferente.
- Neste livro, e em trabalhos anteriores, colocas a questão de à concorrência comercial não corresponder o pluralismo de opiniões, havendo mesmo um consenso em torno de grandes temas. Porque isto acontece?
- Precisamente por haver uma identificação de classe entre os proprietários dos media, o que condiciona depois a própria agenda. E quando não há coincidência de pontos de vista isso deve ser apenas visto na perspectiva da conquista daquilo que se chama «nichos de mercado». Não é propriamente o pluralismo de opiniões e de públicos que está em causa, mas sim a possibilidade de ter públicos diferenciados não explorados pelo mercado e que possam constituir fontes de lucro. O caso da Visão e do Expresso é evidente: São dois semanários diferentes (aliás, os dois maiores, e propriedade do mesmo grupo), mas que não visam o pluralismo de opinião, mas públicos com gostos diferenciados quanto a formatos, tipos de temas, etc.
- Chegas mesmo a afirmar que com este panorama mediático, o pluralismo de opinião e a própria democracia estão postos em causa…
- Sim, estão. A democracia no sentido mais profundo do termo, não estamos a falar da mera democracia formal. A democracia resulta precisamente de uma diversificação de opiniões e de um verdadeiro acesso à capacidade de informar, de se informar e de ser informado. Nos termos, aliás, do que vem na Constituição.
- Que não é cumprida…
- Está muito longe de o ser, fundamentalmente – mas não exclusivamente – devido à questão da propriedade. Mas, como já disse, a questão da propriedade tem uma ligação com a sociedade. No dia em que os media passassem a ser verdadeiramente pluralistas, era a própria sociedade capitalista que ficava em risco, visto os media serem um sustentáculo desta sociedade tal como existe. Isto significa, do ponto de vista da acção política, que a luta no terreno dos media é indissociável da luta no terreno político. Ou seja, é impossível resolver esta questão dos media sem que seja resolvida a questão mais global da sociedade. O que não quer dizer que cruzemos os braços e que deixemos de tentar melhorar o mais possível o panorama mediático, no sentido de termos media que encarem a informação como um bem público.
O Avante! dá uma perspectiva diferente
- Com a totalidade dos media nas mãos de grandes grupos económicos, qual é o papel e a importância de um jornal como o Avante!?
- Em primeiro lugar, o Avante! tem o papel de dar a perspectiva do Partido acerca dos problemas, perspectiva essa que é frequentemente silenciada ou deturpada pelos restantes media. Depois, o Avante! tem que ter a capacidade para falar daquilo que é a agenda do dia sob uma perspectiva diferente da veiculada pelos media de grande expansão, desmontando, recorrendo a outras fontes, o que os outros dizem. Finalmente, uma terceira vertente, prende-se com a imposição de uma agenda própria. Há temas que estão ausentes dos media e que o Avante! , devido à natureza social desses temas, deverá impor.
Mas tudo isto só tem operacionalidade se for encarado numa perspectiva de valorização da imprensa no quadro do colectivo partidário. Fazendo uma leitura actual daquilo que são os conceitos de Marx e de Lenine sobre a imprensa partidária, não se pode ver o órgão partidário apenas como mais um jornal, mas tem que ser utilizado como um instrumento que ajude o trabalho colectivo. E este, em seu próprio benefício, tem que ajudar o Avante! . O mesmo se aplica em relação a O Militante.
- Faz sentido falar-se hoje daquela consigna de Lenine que via o jornal comunista como «agitador colectivo, propagandista colectivo e organizador colectivo?»
- Faz sentido enquanto conceito que tem que ser, obviamente, adaptado aos tempos. No campo do jornalismo e da sua intervenção no espaço público, colocam-se hoje problemas que são novos e que não têm nada a ver com o que se passava no início do século XX. A imprensa hoje, continuando a ser importante, está longe de ser o único meio de troca de informação, de agitação e de propaganda. Há que alargar esse conceito às novas tecnologias de informação e aproveitá-las, o que me parece que o Partido tem feito de forma positiva. Mas há também que ter o cuidado de não se embarcar na mistificação das novas tecnologias como se elas fossem a panaceia para todos os males.
- O Avante! nasceu como o único jornal a não estar sujeito a censura. Hoje a situação é diferente. A importância do Avante!, hoje, é maior, menor ou apenas diferente da desses tempos?
- A importância é diferente, não é maior nem menor, sendo que continua a ser muito grande. Em certo sentido, até é de maior responsabilidade. Na clandestinidade era o único. Mas era um órgão clandestino, de um Partido clandestino, feito por gente clandestina e distribuído de forma clandestina. Hoje, o Avante! continua a ser único, só que tem outras potencialidades. E não tem as mesmas limitações que tinha o Avante! clandestino. Embora tenha outras, diferentes, nomeadamente as que se prendem com aquelas questões que tratámos no início, da natureza dos media na sociedade capitalista.
É por isso que a eficácia do Avante! só é possível no quadro na actividade do colectivo partidário, enquanto instrumento de troca de experiências, de conhecimento e de mobilização dos militantes e amigos do Partido.
- Quando defendo a ideia de que os media não são nem o primeiro nem o quarto poder, no sentido absoluto em que as pessoas lhe pretendem atribuir, não é no sentido de considerar que os media não têm o poder – como realmente têm – de influenciar as opiniões, os costumes ou os valores das pessoas. É no sentido de considerar que não têm um poder autónomo, que depende de si próprio, mas sim de serem uma fonte de poder que está cada vez mais ligada ao poder económico, nomeadamente aos grandes grupos financeiros, que é quem realmente ocupa o topo da hierarquia de poderes. Os media são um poder delegado deste grande poder económico, não obstante a autonomia relativa que possuem, derivada das suas próprias lógicas de funcionamento.
- Neste livro e nos anteriores, pões muito a tónica na questão da propriedade. Em que medida é que esta condiciona os conteúdos da mensagem veiculada?
- A questão da propriedade é importante na perspectiva em que é este poder proprietário que, através de diversos mecanismos e processos, determina e condiciona o modo de funcionamento dos media, ainda que não de uma forma mecanicista. Desde logo, na escolha das pessoas, daqueles que no interior das redacções são responsáveis editoriais. Existe uma elite jornalística, que é composta por directores, responsáveis editoriais e editores, e que exerce um papel muito importante de mediação entre o poder proprietário e os jornalistas. Há, em Portugal, cerca de 6 mil jornalistas com carteira profissional e eu estou a falar de uma elite (que, no entanto, não pode ser vista de uma forma homogénea) composta por algumas dezenas de pessoas. É aquilo a que podemos chamar uma elite de enquadramento do trabalho, na medida em que dá a credibilidade, a legitimidade e o saber jornalísticos a orientações que têm cada vez menos a ver com a informação do público e cada vez mais o lucro económico. Basta ouvir as declarações dos proprietários dos media para perceber que o que há ali é um discurso económico e não jornalístico.
- No concreto, como se faz esse condicionamento?
- Há diversos mecanismos… Penso que há uma ligação estrutural entre os media e a sociedade. E isto quer dizer que quando falamos da força do poder proprietário sobre os media e o seu conteúdo não estamos a dizer que todos os dias, todas as semanas ou todos os meses, os administradores telefonem para os responsáveis editoriais a dizer o que devem ou não publicar. Isso pode acontecer, mas a ligação entre os media e o poder proprietário, que tem a natureza que eu defini, faz-se através de uma ligação estrutural com a sociedade capitalista. Estabelece-se nas redacções aquilo a que eu costumo chamar um «consenso implícito», ou seja, as coisas não precisam de serem ditas para serem feitas. No concreto, essa ligação depende de vários factores. Por exemplo, das fontes e da publicidade.
- De que forma?
- Há, no quotidiano das redacções, um recurso a fontes poderosas, organizadas, com poder de transmitir informação. Isto cria um determinado tipo de informação e de enquadramentos jornalísticos que não são os que outras fontes poderiam criar. Estou a falar dos ministérios, das grandes empresas, dos grupos de pressão e de interesses, das instituições da chamada «sociedade civil» que estão mais perto do poder económico e do poder político, nomeadamente daquele que está mais ligado ao poder económico.
Outro factor estrutural é a publicidade. Hoje em dia, um grande media (ou um pequeno media que queira sobreviver) tem que ter uma grande ligação à publicidade, também ela ligada a grupos económicos. A dependência da publicidade torna imperativo que os media transmitam mensagens que não entrem em contradição com os interesses dos grandes anunciantes. Isto faz com que os conteúdos acabem por ser, dentro do tal «consenso implícito», determinados por estes factores. Nos últimos anos temos mesmo um significativo exemplo da importância que tem actualmente a publicidade, que é a imprensa gratuita, que se dá ao luxo de nem sequer ser paga para ter êxito.
- Ou seja, está tudo nas mãos do poder económico…
- E temos ainda a concentração ao nível das empresas gráficas e da distribuição. O facto de em Portugal haver apenas uma grande distribuidora, ou uma e meia, cria uma enorme dependência. Os grandes grupos têm assim nas suas mãos não só a maioria dos media mas também as várias fases da produção. Isto cria uma rede que faz com que um jornalismo autónomo, independente, de esquerda, não tenha condições de sobrevivência. Nós, aliás, tivemos um exemplo, em Portugal: o jornal o Diário, que acabou por falta de publicidade. Depois, numa outra fase da influência da concentração sobre os conteúdos, há os mecanismos concretos ao nível do trabalho de redacção que faz com que as coisas sejam de uma certa maneira.
- Como?
- Nomeadamente ao nível da agenda, acerca daquilo que é ou não é «notícia». Só para dar um exemplo, os chamados «jornais de referência» (esta é uma classificação com a qual não concordo, preferia falar de media dominantes e não dominantes), ultimamente passaram, por necessidades da concorrência, a diversificar os seus conteúdos, passando a incluir páginas de jet-set. E vê-se, por exemplo, o Público a citar a Caras. Simultaneamente, e para dar só um exemplo, há em Portugal uma realidade, as colectividades de cultura e recreio, que são cerca de 20 mil e que envolvem 300 mil activistas e centenas de milhares de utilizadores. Ora nos media de grande expansão não há o mínimo reflexo desta actividade, que é profundamente popular. Isto é que será a verdadeira «sociedade civil». E não faz parte da agenda.
Depois há outra forma de controlo, que eu acho que é importante e praticamente imperceptível para a maioria das pessoas, que é a própria organização das redacções. Isto é, as secções e as especialidades não incluem a cobertura de várias realidades sociais. Há economia, política, desporto…
- Mas a Economia é sempre apresentada na perspectiva das fusões, das compras e vendas de empresas…
- Exactamente. Falei das colectividades de cultura e recreio, mas temos também os sindicatos e as organizações de trabalhadores. São encaradas maioritariamente no ponto de vista das «notícias negativas»: quando há greves, protestos, cortes de estrada… Tudo o resto é ignorado. Ou seja, há diversos tipos de mecanismos, de natureza estrutural ou funcional, que fazem com que a natureza da propriedade influa naquilo que é depois o resultado em termos de informação que é produzida, das notícias e reportagens.
O problema está
na natureza da propriedade
- Tem-se falado muito da OPA da Sonae à PT. Em que medida a concentração que se tem verificado no sector dos media e comunicação social agrava as características que referiste?
- O ponto de partida para a análise dos media tem que ser a sua concepção como um fenómeno social. Caso contrário, se analisamos os media como uma realidade que está por cima da sociedade e que se pode analisar desintegrada desta, estamos a fazer uma análise inoperante ou interessadamente desvirtuada. Na sociedade capitalista actual, e reportando-nos para o caso português, o problema de haver muitos ou poucos grupos económicos é importante, pois é preferível que haja mais entidades a emitir informação do que menos. Mas quaisquer alterações não serão de fundo se não se mudar a natureza da propriedade. Porque haver três grupos ou seis, mas, num caso ou noutro, todos eles serem propriedade do grande capital não altera o fundo da questão. Acaba por ser uma luta de concorrência entre grandes grupos, excluindo outras formas de propriedade dos media, como as cooperativas, que hoje não existem.
- A TSF começou assim…
- Pois começou. E a primeira a surgir, a seguir ao 25 de Abril, foi O jornal, que antecedeu a Visão. Mas esse tipo de experiências nunca teve o apoio do poder, precisamente por ser uma forma de poder alternativa ao dos grandes grupos económicos. Isto faz com que o cerne do problema esteja na natureza da propriedade e não na existência de muitos ou poucos grupos, ainda que isto não seja indiferente.
- Neste livro, e em trabalhos anteriores, colocas a questão de à concorrência comercial não corresponder o pluralismo de opiniões, havendo mesmo um consenso em torno de grandes temas. Porque isto acontece?
- Precisamente por haver uma identificação de classe entre os proprietários dos media, o que condiciona depois a própria agenda. E quando não há coincidência de pontos de vista isso deve ser apenas visto na perspectiva da conquista daquilo que se chama «nichos de mercado». Não é propriamente o pluralismo de opiniões e de públicos que está em causa, mas sim a possibilidade de ter públicos diferenciados não explorados pelo mercado e que possam constituir fontes de lucro. O caso da Visão e do Expresso é evidente: São dois semanários diferentes (aliás, os dois maiores, e propriedade do mesmo grupo), mas que não visam o pluralismo de opinião, mas públicos com gostos diferenciados quanto a formatos, tipos de temas, etc.
- Chegas mesmo a afirmar que com este panorama mediático, o pluralismo de opinião e a própria democracia estão postos em causa…
- Sim, estão. A democracia no sentido mais profundo do termo, não estamos a falar da mera democracia formal. A democracia resulta precisamente de uma diversificação de opiniões e de um verdadeiro acesso à capacidade de informar, de se informar e de ser informado. Nos termos, aliás, do que vem na Constituição.
- Que não é cumprida…
- Está muito longe de o ser, fundamentalmente – mas não exclusivamente – devido à questão da propriedade. Mas, como já disse, a questão da propriedade tem uma ligação com a sociedade. No dia em que os media passassem a ser verdadeiramente pluralistas, era a própria sociedade capitalista que ficava em risco, visto os media serem um sustentáculo desta sociedade tal como existe. Isto significa, do ponto de vista da acção política, que a luta no terreno dos media é indissociável da luta no terreno político. Ou seja, é impossível resolver esta questão dos media sem que seja resolvida a questão mais global da sociedade. O que não quer dizer que cruzemos os braços e que deixemos de tentar melhorar o mais possível o panorama mediático, no sentido de termos media que encarem a informação como um bem público.
O Avante! dá uma perspectiva diferente
- Com a totalidade dos media nas mãos de grandes grupos económicos, qual é o papel e a importância de um jornal como o Avante!?
- Em primeiro lugar, o Avante! tem o papel de dar a perspectiva do Partido acerca dos problemas, perspectiva essa que é frequentemente silenciada ou deturpada pelos restantes media. Depois, o Avante! tem que ter a capacidade para falar daquilo que é a agenda do dia sob uma perspectiva diferente da veiculada pelos media de grande expansão, desmontando, recorrendo a outras fontes, o que os outros dizem. Finalmente, uma terceira vertente, prende-se com a imposição de uma agenda própria. Há temas que estão ausentes dos media e que o Avante! , devido à natureza social desses temas, deverá impor.
Mas tudo isto só tem operacionalidade se for encarado numa perspectiva de valorização da imprensa no quadro do colectivo partidário. Fazendo uma leitura actual daquilo que são os conceitos de Marx e de Lenine sobre a imprensa partidária, não se pode ver o órgão partidário apenas como mais um jornal, mas tem que ser utilizado como um instrumento que ajude o trabalho colectivo. E este, em seu próprio benefício, tem que ajudar o Avante! . O mesmo se aplica em relação a O Militante.
- Faz sentido falar-se hoje daquela consigna de Lenine que via o jornal comunista como «agitador colectivo, propagandista colectivo e organizador colectivo?»
- Faz sentido enquanto conceito que tem que ser, obviamente, adaptado aos tempos. No campo do jornalismo e da sua intervenção no espaço público, colocam-se hoje problemas que são novos e que não têm nada a ver com o que se passava no início do século XX. A imprensa hoje, continuando a ser importante, está longe de ser o único meio de troca de informação, de agitação e de propaganda. Há que alargar esse conceito às novas tecnologias de informação e aproveitá-las, o que me parece que o Partido tem feito de forma positiva. Mas há também que ter o cuidado de não se embarcar na mistificação das novas tecnologias como se elas fossem a panaceia para todos os males.
- O Avante! nasceu como o único jornal a não estar sujeito a censura. Hoje a situação é diferente. A importância do Avante!, hoje, é maior, menor ou apenas diferente da desses tempos?
- A importância é diferente, não é maior nem menor, sendo que continua a ser muito grande. Em certo sentido, até é de maior responsabilidade. Na clandestinidade era o único. Mas era um órgão clandestino, de um Partido clandestino, feito por gente clandestina e distribuído de forma clandestina. Hoje, o Avante! continua a ser único, só que tem outras potencialidades. E não tem as mesmas limitações que tinha o Avante! clandestino. Embora tenha outras, diferentes, nomeadamente as que se prendem com aquelas questões que tratámos no início, da natureza dos media na sociedade capitalista.
É por isso que a eficácia do Avante! só é possível no quadro na actividade do colectivo partidário, enquanto instrumento de troca de experiências, de conhecimento e de mobilização dos militantes e amigos do Partido.